segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Pode a sexualidade valorizar o currículo?



Na capa da revista do "Expresso", 10.09.16

F.L., professor, poeta e tradutor, está a traduzir uma nova versão da Bíblia. É um facto cultural relevante embora, para todos os efeitos, nada vença a Bíblia dos Capuchinhos, de consulta fácil e à distância de meia-dúzia de cliques.
O jornal “Expresso”, talvez para variar da recente moda jornalística de entrevistar actores, actrizes e apresentadores e apresentadoras (não é assim que se deve escrever?), resolveu entrevistá-lo. E na capa da sua revista apresenta assim o entrevistado: “(…) Um dos mais brilhantes intelectuais portugueses, homossexual assumido e autor da primeira tradução da Bíblia a partir do grego. Uma questão de fé.”
Não se percebe bem a eventual relevância da última frase sobre a fé mas aqui o que interessa é a relevância da sexualidade do entrevistado. “Homossexual assumido” é, pela ordem de construção do textículo da capa, mais importante até do que a tradução do grego. 
Mas quando se penetra no texto da entrevista, a dúvida adensa-se. São 69 as perguntas (eu contei-as) e, delas, só 7 têm a ver com o exercício social (e é só) da sexualidade do entrevistado. E nessas 7 o mais longe que a entrevistadora vai é na opinião do cônjuge quando ao excesso de trabalho do entrevistado. Portanto, qual é a relevância da sexualidade e do facto de ela ser “assumida”? 
É possível que o pormenor da sexualidade do entrevistado tenha a ver com qualquer opção do jornalismo do “Expresso”. Aliás, é um aspecto que porá qualquer alma atenta a pensar se os passados e futuros entrevistados do “Expresso” também vão ser apresentados pela sua sexualidade.
De qualquer modo, é um precedente interessante. E, sabendo-se da importância que a imprensa em geral tem junto dos decisores políticos dos vários escalões, até pode vir a fazer lei. Lei, mesmo, ou norma social e profissional.
Aplicável, obviamente, aos currículos. 
Parece ser hábito dos jovens (e menos jovens?) inundar com currículos empresas e tudo o que parece ser empresa (até eu já recebi “candidaturas espontâneas” para o modesto blogue pessoal que mantenho). E também parece ser hábito nas empresas nem olhar com profundidade para a chuva de “candidaturas espontâneas” que lhes chegam por correio electrónico, tal é a quantidade (e a qualidade…)
No entanto, à luz do precedente aberto pelo “Expresso”, talvez seja útil aos candidatos incluírem a sua sexualidade no currículo, de preferência com a sua classificação ("assumidos" ou, sei lá, "no armário"). Seria, decerto, um elemento sugestivo para captar a atenção dos destinatários dos currículos e, já agora e em nome da transparência, aumentar até as possibilidades de contratação, por interesse personalizado de quem contrata. 
E isto seria só para começar, porque há muitos outros pormenores pessoais que se podem sempre incluir…


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